Descrição

Este projeto está intimamente ligado à criação artística do ator, suas abordagens, reflexões e métodos. Ele está no âmbito da pesquisa do corpo cênico, de seus movimentos e de sua continua (re)significação perante quem o assiste e, por sua vez, da sua própria (re)organização.
Para isso, cartografei meu próprio processo de aprendizagem e criação através dos diálogos entre o método de educação do movimento, Body Mind Centering®, inicialmente desenvolvido pela americana Bonnie Bainbridge Cohen, das formas de extração e codificação de matrizes corporais mapeadas por Renato Ferracini, e dos princípios da performance estudados por Renato Cohen.
Assim, o desafio desta pesquisa foi a utilização do material perceptivo, proveniente da prática corporal, para a elaboração cênica. Ou seja, transcrever as sensações em matrizes codificadas, visando uma apresentação final em que este procedimento fosse (in)visível.

PESQUISA DE MESTRADO
CONCLUÍDA
ORIENTADOR: PROF. DR. ARMANDO SÉRGIO DA SILVA

19.11.09

Matrizes Orgânicas

Os pensamentos orgânicos dos diferentes sistemas contribuiram para uma nova percepção do espaço do corpo de Ana.
O espaço do corpo é um conceito, aqui, emprestado do filósofo português José Gil. Para ele, “embora invisíveis, o espaço, o ar adquirem texturas diversas. Tornam-se densos ou tênues, tonificantes ou irrespiráveis. Como se recobrissem as coisas com um invólucro semelhante à pele: o espaço do corpo é a pele que se prolonga no espaço, a pele tornada espaço. Daí a extrema proximidade das coisas e do corpo.” (2004, p. 47)
Esse espaço está totalmente vinculado ao espaço objetivo que é investido de afeto. Ele está sempre em construção. É o espaço objetivo em devir. É um espaço paradoxal que, “diferente do espaço objetivo, não está separado dele. Pelo contrário, imbrica-se nele totalmente, a ponto de já não ser possível distingui-lo desse espaço: a cena transfigurada do ator não é espaço objetivo? E todavia, é investida de afetos e de forças novas, os objetos que a ocupam ganham valores emocionais diferentes seguindo os corpos dos atores, etc”. (2004, p. 47)
Para o filósofo, esse espaço não é uma exclusividade artística, ele surge quando o corpo prolonga-se no espaço, conferindo-lhe outros humores, limites e visibilidades. Ele acontece quando “há investimento afetivo do corpo”. (2004, p. 48) Ou ainda, “o espaço do corpo nasce da energia. A energia cria unidades de espaço-tempo”. (2004, p. 54).
Como vimos, para o BMC® cada conjunto sistêmico possui um pensamento ou uma mind. Eles são formas de energia que se expressam num alinhamento entre o menor movimento celular e seu maior movimento no corpo e no espaço. Portanto, nesse caso, pensamento é energia, e cada parte corpórea possui um pensamento ou qualidade de energia diferente que, por sua vez, formaliza movimentos diferentes no espaço do corpo (espaço interno e externo).
Assim, como se fossem pequenas ondas, as energias ou pensamentos focalizados preenchem o espaço interno do corpo. E através da porosidade da pele, estas intensidades escorrem preenchendo o espaço externo ao corpo, prolongando-o. O mesmo se dá com o tempo; as ondas possuem seus tempos inerentes que modificam o tempo do espaço interno do corpo, irrompendo a pele para transformar o tempo do espaço externo.
Nesse estudo, as qualidades ou as matérias do espaço do corpo variam de acordo com as ondas provenientes do jogo percepção-ação. Ou seja, a expressividade e sabedoria das células especializadas são diferentes e carregam intensidades distintas, e o processo de corporificação convida, justamente, a vibração dessas ondas no espaço do corpo.
Desta maneira, ao deslocar minha atenção para os conteúdos orgânicos modifiquei o espaço do corpo esculpido e desenhado pela claridade óssea para um espaço do corpo denso, emotivo e torcido.
Não percebi a mesma característica pontual dos punctums ósseos nos punctums orgânicos, que se mostraram mais moles, macios e quase escorregadios. Pois, iniciei movimentos a partir de um volume, de uma densidade e não de pontos e espirais. A tridimensionalidade e a profundidade características dos órgãos auxiliaram no estudo de ações como “ver o cego”. Elas lançaram as matrizes ósseas em estados corporais orgânicos.
Portanto, os punctums orgânicos são tridimensionais ou estados corporais que, segundo Ferracini, “são ações físicas no espaço” (FERRACINI, 2006 a, p. 20). E possibilitam curvas, rotações e torções no espaço e do espaço, pois os órgãos rolam uns nos outros, uns com os outros, acomodam-se e se apóiam.
Não quero dizer, contudo, que o sistema esquelético não tinha essa característica espacial. Pelo contrário, o espaço se desenhou, ganhou objetividade e claridade. Entretanto, as formas das matrizes ósseas que se destacaram foram gestos, vetores força e pontos de apoio, que dialogaram diretamente com o conceito de punctum e indiretamente com o conceito de espaço do corpo.
Todavia, talvez por serem tratados como conteúdos, os órgãos conscientizaram o espaço do corpo e deixaram na inconsciência os punctums. Logo, destaquei como resultantes das experiências orgânicas ou através dos órgãos: modulações no espaço do corpo e punctums tridimensionais.

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